Lembro como se fosse hoje: ainda na pré-adolescência, encontrei nas páginas de O Profeta, de Khalil Gibran, algo que mudou minha forma de sentir o mundo.
Mesmo sem ter vivido nenhum amor naquela época, compreendi o que ele queria dizer ao falar que o amor não deve prender, que os pilares de um templo não se encostam — e que o verdadeiro afeto precisa de espaço.
Hoje, muitos anos depois, essa imagem faz ainda mais sentido.
Tenho observado com mais consciência meus vínculos — os que me fortalecem e os que me drenam. E aprendi algo essencial: toda relação pode ou nos nutrir ou nos esgotar. E é nosso dever aprender a distinguir.
Amor-próprio não é ser egoísta: é autocompreensão
Muito se fala sobre amor-próprio — e com razão. Mas para verdadeiramente alcançá-lo, é preciso antes entender o que é amor.
A confusão está justamente aqui: muitas vezes o que se chama de amor-próprio é apenas cultivo do egoísmo, defesa ou vaidade disfarçada de empoderamento.
Amar a si mesma não é se colocar acima dos outros. É ter consciência dos próprios limites, reconhecer as fragilidades, saber até onde se pode ir — com o corpo, com a mente, com as emoções.
É também perceber quando estamos nos exigindo demais: nas tarefas, nas cobranças, nas responsabilidades que acumulamos.
Tudo começa por nós mesmos. Quando não respeitamos nossos limites, também não respeitaremos os limites dos outros. Quando não nos olhamos com profundidade, não temos como olhar para ninguém com empatia — e muito menos com compaixão.
O amor que queremos nasce em nós e se expande. Ou somos nossa melhor companhia, ou não seremos boa companhia para ninguém. Podemos ser uma pessoa divertida, festeira, a alegria da festa, ou a pessoa interessante e intelectual. Podemos estar rodeados de pessoas por termos habilidades sociais — e, ainda assim, nos sentirmos sozinhos por não termos a habilidade de conviver harmonicamente conosco.
O verdadeiro amor-próprio nos convida a pausar, a escutar o corpo, a dizer não sem culpa e sim com verdade. É um cuidado profundo que só nasce de um olhar honesto sobre si. O mais interessante é que esse olhar é libertador: ele nos tira das amarras da carência, da busca por aprovação alheia e das nossas próprias máscaras.
A origem do desgaste: expectativas, ilusão e ausência de educação emocional
Grande parte do que chamamos de amor é, na verdade, projeção de expectativas.
Muitas vezes, não estamos nos relacionando com a pessoa real, mas com a imagem que criamos dela — com aquilo que gostaríamos que ela fosse.
E quanto mais essa imagem se distancia da realidade, mais nos frustramos, mais cobramos, mais sofremos.
Expectativas não atendidas nos colocam em estados emocionais intensos como ciúmes, posse, frustração, rejeição e carência.
Sentimentos que drenam a energia de qualquer relacionamento.
Mas o problema é mais profundo: não fomos educados emocionalmente para lidar com isso.
Nem nossos familiares, nem as escolas não nos ensinaram sobre maturidade emocional. Não aprendemos a escutar nossos sentimentos, a nomeá-los, a lidar com eles.
Nossa “educação emocional” veio das novelas, dos filmes românticos, das músicas de desespero amoroso, dos exemplos familiares muitas vezes disfuncionais. Crescemos achando que amor era ausência, dor, dependência, dramaticidade.
E então levamos isso para a vida. E sofremos.
A maturidade emocional não nasce espontaneamente: ela precisa ser construída.
E, muitas vezes, só chega através da dor. Do rompimento. Do vazio. Do espelho que o outro nos mostra.
Por isso, não é simples construir relações que nutrem. Exige autoconhecimento — e autoconhecimento também não é algo que nos ensinaram a buscar.
É um chamado interno. Um despertar.
Esse artigo é um convite para isso: acordar para os padrões que te drenam e começar a cultivar relações que verdadeiramente te alimentam.
Relações que nutrem: sinais de presença verdadeira
Algumas pessoas chegam e algo em nós respira.
São vínculos em que podemos ser quem somos — sem disfarces, sem pressão, sem culpa.
Mesmo quando há silêncio, há paz.
Mesmo à distância, há presença.
Essas relações:
- Nos escutam sem querer nos consertar
- Sabem respeitar nosso tempo e nosso silêncio
- Têm leveza nos gestos e palavras
- Nos deixam com mais energia depois de uma conversa
Em geral, são vínculos em que a troca é real: quando damos, também recebemos — não apenas palavras, mas qualidade de presença.
Nosso corpo sabe quando está sendo nutrido.
Percebemos isso em sensações sutis: o peito se expande, a respiração se aprofunda, os ombros relaxam. A alma repousa. Há espaço interno.
Relações que drenam: os pesos invisíveis
Outras relações são sutilmente exaustivas.
A pessoa cobra atenção disfarçada de cuidado, interpreta o silêncio como desprezo, exige retorno imediato e torna nossa liberdade um campo minado de culpas.
Essas relações:
- Geram ansiedade por mensagens não respondidas
- Têm frases frequentes como “você sumiu” ou “não quer mais falar comigo?”
- Fazem com que você se sinta errada por precisar de tempo ou de recolhimento
- Deixam um cansaço emocional, mesmo depois de poucos minutos de conversa
- Ativam sentimentos de culpa, sufocamento ou vigilância constante
Nosso corpo também sabe quando está sendo drenado.
Sentimos um aperto no estômago, tensão na nuca, peso no peito, até dores físicas que surgem sem explicação. É como se o corpo se encolhesse, tentando se proteger.
Entre os sentimentos que mais drenam a energia de um relacionamento estão o ciúmes e a posse. Eles não nascem do amor, mas do medo — medo de não ser suficiente, medo de ser deixada, medo de perder o controle.
O ciúmes costuma se manifestar como vigilância, insinuação ou cobrança velada. Já a posse aparece quando o outro é tratado como território exclusivo, como se sua liberdade fosse uma ameaça.
Por trás desses comportamentos está quase sempre uma emoção primária: insegurança. A pessoa sente que não é amável o bastante, que pode ser trocada ou esquecida — e tenta, inconscientemente, controlar o outro para não entrar em contato com esse vazio.
Mas a tentativa de controlar nunca gera amor: gera resistência. E aos poucos, o vínculo se desgasta, sufoca, se torna frágil.
Como não esgotar um relacionamento: práticas conscientes
1. Respeite o tempo do outro
Nem todo silêncio é ausência. Nem toda distância é rejeição.
Quando alguém se recolhe, talvez esteja apenas cuidando de si.
2. Não transforme cuidado em cobrança
Muitas vezes achamos que estamos apenas “demonstrando carinho”, mas usamos frases que, na verdade, colocam o outro na defensiva. Isso desgasta e cria tensão silenciosa.
Frases passivo-agressivas comuns:
- “Nossa, você some e nem dá notícia…”
- “Tá ocupada demais pra mim, né?”
- “Pensei que a gente tivesse mais intimidade…”
- “Nem me procura mais…”
- “Já vi que só eu me importo.”
- “Legal saber que estou em último lugar na sua lista.”
- “Bom saber que você só lembra de mim quando precisa.”
Essas frases podem parecer inofensivas, mas vêm carregadas de expectativa e julgamento.
Troque por mensagens leves e verdadeiras, como:
- “Senti tua falta, espero que esteja bem.”
- “Se quiser conversar, estou por aqui com carinho.”
- “Sei que estás no teu tempo, só passei pra dizer que gosto de ti.”
Afeto leve não força, convida. E um convite verdadeiro é sempre mais bonito do que uma cobrança disfarçada.
3. Cultive presença verdadeira, não constância forçada
Estar presente não é estar sempre. É estar inteiro quando se está.
Forçar presença sem vontade só desgasta e desconecta.
4. Escute o que tua cobrança revela sobre ti
Antes de exigir mais do outro, se pergunta:
Do que estou sentindo falta em mim?
Muitas vezes, cobramos o outro por algo que nós mesmas ainda não nos damos: atenção, escuta, calma.
Reconhecendo o que drena e o que nutre
Um exercício simples: pense em três pessoas com quem você mais convive.
Depois de conversar com elas, você se sente mais viva ou mais esgotada?
Sente liberdade ou obrigação?
Alegria ou culpa?
As respostas não vêm da mente — vêm do corpo.
Nosso sistema nervoso sabe.
Observe: teu corpo se expande ou se retrai quando estás com essa pessoa?
Respira melhor ou prende o ar?
Se sente leve ou tenso?
O corpo é sábio. Ele sente antes da mente entender.
Educação emocional nas escolas: uma sugestão transformadora
Se vivemos em um mundo onde quase ninguém sabe reconhecer o que sente, nem se relacionar com respeito emocional, talvez esteja na hora de propor uma pequena revolução: por que não incluir a inteligência emocional como disciplina nas escolas?
Aprender desde cedo a identificar emoções, entender limites, cultivar empatia e escuta verdadeira salvaria milhares de vínculos no futuro — e pouparia incontáveis corações partidos por ignorância afetiva.
Não se trata apenas de ensinar a “ser bonzinho”, mas de construir relações humanas mais saudáveis, conscientes e menos reativas. Esse artigo é também um apelo: que cuidemos das gerações futuras ensinando-as a cuidar de si e dos outros com sabedoria emocional.
Amar com espaço é amar com verdade
Nem todo vínculo precisa durar. E nem todo silêncio precisa ser explicado.
Aprender a honrar o próprio ritmo — e o ritmo do outro — é um gesto profundo de amor.
As relações mais bonitas são aquelas onde o amor flui sem cercas, sem cobranças.
Onde há liberdade para ser, recolher-se, voltar e recomeçar.
Relacionamentos não se esgotam quando há distância. Se esgotam quando há peso.
E peso demais não é afeto — é medo disfarçado.
Que a gente aprenda, cada vez mais, a escolher o que nos nutre.
A amar a realidade, não a projeção. A respeitar a liberdade, não a confundir com abandono.
E a soltar, com respeito e gratidão, o que já não nos serve — para que o que é verdadeiro possa finalmente florescer.
5 Comentário
Adorei o texto, tão claro, simples e ao mesmo tempo profundo. Muito bom ler um texto que tenha tanto discernimento sobre exemplos dos relacionamentos! Adorei!
Lúcia querida, coisa boa saber que você gostou, sim, a ideia é trazer informações simples que possam ser colocadas em prática. Um grande abraço e obrigada por ler este blog!
Tenho feito muito esse exercício, o de me perguntar “do que estou sentindo falta em mim” ou “o que em mim faz com que eu fique chateada com a atitude do outro”. E isso tem me mostrado que existe um lugar de carência muito perigoso, que demanda de uma atenção extrema. Mas fico feliz pelo fato de reconhecer esse lugar e conseguir pensar em como cuidar dele.
Obrigado Lena , sempre nos proporcionado sabedoria e nos alimentando com muitas inspirações. Parabéns e obrigado por tudo 🙌🙏
Claude querido, um grande abraço e obrigada por seu comentário.