Em 2023, enfrentei um câncer em estágio 3. Para quem não está familiarizado, esse número indica que a doença já havia avançado consideravelmente, pois o tumor havia ultrapassado seu ponto de origem e se espalhado para linfonodos próximos. Não foi fácil, mas com a ajuda de duas médicas competentes, a Dra. Ruth Carina Escobar Diaz, que realizou a cirurgia de forma cuidadosa, removendo tudo o que foi possível de tumores do meu corpo, e a Dra. Juliana Araújo, que aceitou me acompanhar, junto com minhas próprias terapias e anos de estudo, eu venci. Hoje, estou saudável, grata e profundamente tocada por cada novo avanço da ciência nessa área.
Recentemente, me deparei com uma descoberta que me emocionou e me despertou muitas reflexões. Não apenas por sua relevância médica, mas porque, de certo modo, ela dá voz a algo que muitos de nós, que já enfrentamos o câncer, sentimos sem saber nomear.
A pesquisa que pode mudar o jogo
Em setembro de 2025, durante um congresso de neurobiologia da Universidade de Pittsburgh, a pesquisadora Nicole Scheff apresentou dados que desafiam o entendimento tradicional sobre o crescimento tumoral. Em testes com camundongos, ela observou que, na ausência de uma substância chamada CGRP (um peptídeo liberado por nervos sensoriais), os tumores simplesmente não cresciam.
O CGRP já é conhecido na medicina por estar associado à dor inflamatória, especialmente em casos de enxaqueca. Mas agora sabemos que ele também pode funcionar como combustível para o avanço de certos tipos de câncer.
Essa linha de pensamento não é totalmente nova. Em 2016, o neurocientista Brian Davis já havia mostrado que, ao silenciar determinados nervos em camundongos com câncer de pâncreas, a progressão da doença diminuía drasticamente. O estudo atual, no entanto, vai além. Ele sugere que os nervos fazem mais do que apenas transmitir sinais ao cérebro: eles se comunicam com o tumor. Alimentam-no, em um diálogo silencioso e biológico que favorece a multiplicação das células doentes.
Por que isso é tão importante
Essa descoberta abre portas para uma nova abordagem terapêutica: e se, em vez de apenas atacar as células tumorais, pudermos interromper esse “diálogo” entre o sistema nervoso e o câncer?
Drogas que bloqueiam o CGRP, já utilizadas no tratamento de enxaquecas, estão sendo estudadas como possíveis aliadas na oncologia. Elas poderiam não apenas frear o crescimento de tumores, mas também aliviar dores associadas à doença, oferecendo mais qualidade de vida aos pacientes.
Mas talvez o mais impactante seja o que essa pesquisa nos revela sobre a complexidade do câncer. Não se trata apenas de um crescimento desordenado de células. Estamos falando de uma rede viva de interações entre tecidos, nervos, vasos sanguíneos e sistemas de defesa. Uma coreografia silenciosa que, ao ser compreendida, pode finalmente ser interrompida.
O que isso significa para quem já passou por um câncer
Para quem, como eu, já viveu a experiência de ter o corpo ocupado por algo que parecia ter vontade própria, essa descoberta é profundamente simbólica. Ela nos lembra de que o câncer não é invencível e que, mesmo nos bastidores da biologia, há formas de desativar seu poder.
A articulista Suzana Herculano-Houzel, da Folha, escreveu: “Para erradicar um câncer é preciso tirar-lhe a voz.” Essa frase ficou ecoando em mim. Porque o câncer, de certa forma, fala, através da dor, da invasão silenciosa, do medo. E cada avanço como este nos aproxima de calar esse discurso.
Mais do que uma promessa de tratamento, essa descoberta é um convite: o de olharmos para o nosso corpo não como campo de batalha, mas como território de escuta, onde cada sinal pode ser compreendido e cada silêncio, celebrado.
											

